terça-feira, 24 de setembro de 2013

Invasão samurai: Japoneses invadem o Brasil

Brasileiros se rendem à cultura da maior colônia japonesa fora do país do Sol Nascente


No ano de 2013 comemora-se 105 anos da imigração japonesa no Brasil. Mas durante todo este período não se viu tamanha disseminação da cultura japonesa como se percebe atualmente. Segundo estudiosos como o filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan, a globalização criou comunidades multiétnicas, internacionais e multiculturais. Dentro deste ponto de vista, a TV e a internet são ferramentas poderosíssimas para a liquidificação cultural. Mas o fato de o Brasil possuir a maior colônia japonesa fora do Japão em todo o planeta impulsiona a aculturação, fenômeno que filósofos, antropólogos e sociólogos descrevem quando uma cultura começa a “engolir” outra.

Considerada pela colônia japonesa como data oficial do início da imigração, o dia 18 de junho de 1908 marcou o desembarque de 165 famílias nipônicas no porto de Santos, vindas no navio Kasato Maru. Em dez anos, a colônia japonesa atingiu o expressivo número de 14 mil pessoas. Entre 1917 e 1940, esse número subiu para 164 mil. De acordo com dados do dados do censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje já são mais de 2 milhão de nipônicos no Brasil entre isseis (aqueles nascidos no Japão) e descendentes, o que torna o Brasil o país que mais abriga japoneses fora do Japão no mundo (veja quadro abaixo). Um aumento de 173,7% no período de dez anos, já que no censo de 2000, 761 mil pessoas se declararam amarelas.

A maioria da população que se declarou amarela no último Censo é moradora no estado de São Paulo, apesar de haver representatividade em todo o território nacional. Destaque para outros estados brasileiros que mantém grandes concentrações de japoneses, como Paraná, Mato Grosso do Sul e Pará. Neste contexto, como bons mineiros que trabalham em silêncio (ou deveria dizer como as gueixas, que urdem igualmente mudas), a cultura japonesa vem se estabelecendo em terras brasucas paulatinamente, sem provocar o mesmo choque sofrido pelos imigrantes que pisaram em Santos há 105 anos.



História e tradição

A grande maioria dos imigrantes que viajou no Kasato Maru era composta por camponeses, homens, mulheres e crianças egressas das zonas rurais do Japão, que passava por uma forte crise, com desemprego em alta, o que obrigou a milhares de japoneses a procurar novos horizontes. Como o Brasil necessitava de mão-de-obra para o cultivo do café os governos dos dois países firmaram acordo facilitando a entrada de imigrantes oriundos do país do sol nascente em terras tupiniquins.O Kasato Maru foi só o primeiro de muitos.

Exatamente como aconteceu com os avós da funcionária pública Silvia Nawa, 35 anos, morada em Brasília há um ano e meio. Segundo a sansei (nome dado aos netos de imigrantes), tanto seus avós paternos quanto maternos eram crianças ou adolescentes quando chegaram ao Brasil, depois de três longos meses de viagem. “A viagem aconteceu em condições extremamente precárias. Apesar de terem vindo separados, todos eram muito pobres e passaram por situações semelhantes”, conta Sílvia. A maioria dos navios que transportavam os imigrantes não oferecia condições dignas para os passageiros. Drama vivido por milhares de pessoas.

Após a Primeira Guerra Mundial, milhares de pessoas vindas do Japão arriscaram uma mudança radical de vida procurando novos horizontes em um país tropical. A maioria desembarcou no Brasil, principal alvo dos imigrantes que procuravam se estabelecer nas Américas. Mas com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Brasil e Japão se viram em lados opostos do conflito, o que fez emergir uma gigantesca xenofobia que, até então, permanecia enraizada no coletivo brasileiro. Entre as medidas tomadas pelo governo brasileiro, a proibição da difusão da cultura nipônica foi a mais contundente. Escolas japonesas foram fechadas, o uso da língua foi vetado, bem como manifestações culturais. O assunto foi abordado pelo jornalista Fernando Moraes no livro Corações Sujos, lançado em 2000, e que virou filme em 2011.

Entretanto a cultura japonesa sobreviveu no Brasil até os dias de hoje, como é o caso da família de Sílvia. “Nossa educação tem muita influência, como o respeito aos mais velhos. Também comemos muita comida japonesa, falamos algumas coisas em japonês, o ano novo tem um significado especial e comemos bolinho de arroz no dia 1º de janeiro para trazer fartura”, detalha.

Mãos à obra

A aversão que boa parte dos brasileiros nutria pelos japoneses era baseada em preconceito, mas justificada pela inimizade entre as nações durante a guerra e também por questões econômicas, já que os imigrantes literalmente “suavam a camisa” e cresciam do ponto de vista financeiro e social, muitos deles lutando arduamente para manter viva a tradição natal.

Sílvia conta que, como inúmeros outros isseis, seus avós buscaram a ascensão social na agricultura no interior de São Paulo. “A família da minha mãe foi para Ibiúna e do meu pai para Pereira Barreto. Lá, meus avós se conheceram e formaram suas famílias”, explica. E seguindo os passos da família, os pais da funcionária pública não se acomodaram e foram tentar a vida na capital paulista. “Meu pais se conheceram na capital [São Paulo], onde foram trabalhar e estudar. Sofreram bastante, passaram necessidade. Depois de muita luta, cresceram, se formaram e tiveram muito sucesso profissional. Hoje, são aposentados e têm uma vida bastante confortável, merecidamente!”, comemora.

Apesar de todas as adversidades, o silencioso e humilde trabalho nipônico conquistou a simpatia do povo brasileiro e fez resistir a cultura japonesa até os dias de hoje, quando eclodiu como moda entre os adolescentes.

Banzai

Impulsionada por enlatados consumidos aos barbatões desde a década de 80 (para ilustrar podemos citar Jiraia, Jaspion, Ultraman e o monstrengo ora do bem ora do mal Godzilla), a cultura japonesa vem se firmando como inesgotável fonte de entretenimento entre a garotada brasileira. Tanto que são cada vez mais numerosos eventos como feiras e congressos com essa temática. Um exemplo dessas investidas em explorar esse nicho mercadológico é a Fukkatsu DF, que teve a segunda edição realizada no dia 18 de agosto no Centro de Ensino Fundamental (CASEB). Autoproclamada evento beneficente, cobrava entradas que variavam entre R$ 10 e R$ 15 mais um quilo de alimento não perecível a ser distribuído para instituições filantrópicas.

Segundo Carolina Vieria, que participa da organização do evento, os mais de 3 mil participantes da segunda edição superou o público da estreia, ocorrida em março. “Está muito bom, o público está gostando, o evento está grande e está crescendo”, ressaltou a organizadora que destacou ainda o início do trabalho. “Ele [o evento] começou com um projeto antigo, passamos quase um ano planejando. A gente estava com um projeto diferente de eventos em Brasília”. Robson Passarela participou pela primeira da comissão organizadora e destacou o caráter de integração da feira. “A Fukkatsu surgiu com intuito de trazer de volta os eventos antigos que tinha em Brasília, todo aquele clima de amizade”, destacou.

Comércio intenso

Para chamar a atenção da petizada e aguçar os instintos consumidores, dezenas de atrações foram disponibilizadas pelos organizadores da Fukkatsu. Participações especiais como Elcio Sodré, dublador e de Hermes Baroli, dubladores profissionais de desenhos e animes, se misturaram a espaços reservados a jogos de videogames e RPG, exibição de animes (desenhos animados japoneses), batalha campal, , amostra de artes marciais, apresentações de dança e teatro, shows musicais e ainda desfiles cosplay (fantasias de personagens das revistas, TV e games). Aliás, pelos transitando pelos corredores se via desde participantes (adultos, adolescente e crianças) caracterizados com fantasias que iam do ridículo ao fantástico, até o mais surrado e simples conjunto de jeans e tênis dos menos afoitos.

Apesar da pouca idade, a estudante Caroline Meier é veterana em concursos cosplay. A adolescente fantasiada de Kikyou, personagem do anime  Inu Yasha, já participou de mais de dez eventos, incluindo outros concursos de cosplay. Mas chegou tarde para o concurso da Fukkatsu e não pode participar. “Eu cheguei um pouquinho atrasada para o concurso de cosplay e não consegui me inscrever e estou muito triste por causa disso”. Ela tem ressalvas em relação a organização. “Esses eventos hoje em dia estão muito bagunçados, não estou gostando muito não”, desabafa.

Para quem não tinha fantasia em casa, bastava procurar nos estandes montando na feira. Feira, aliás, poderia ser a correta descrição do espaço reservado para o intenso comércio desenvolvido no local. Além de roupas alusivas a personagens ou mesmo figurinos mais completos tinha acessórios, enfeites e decoração, artigos de cama e banho, praça de alimentação, entre outros ramos das vendas. Henrique Alves, gerente de uma livraria de sebos, montou um estande no evento que oferecia para os visitantes camisetas temáticas, livros, revistas e mangás, que dividiam espaço com outros gibis, que iam da Turma da Mônica até os badalados X-Men. Henrique participou da primeira edição e de muitas outras no mesmo segmento. Para ele, é o tipo de negócio que compensa. “Esse público jovem busca muito mangá. E como Brasília não tem uma livraria ou uma banca que ofereça esses produtos, a gente está investindo nisso”. Na avaliação do gerente, a expectativa de retorno era maior, o que não quer dizer que houve prejuízo. “O outro [evento] estava maior, mais movimentado, mas está legal”, avalia.

Japonês candango

A comunidade japonesa Nippo Brasília estima que no Distrito Federal existam 8 mil japoneses ou descentes. nikkeis). Organizada em uma federação, a Nippo usa a internet para congregar outras entidades alusivas à cultura japonesa e divulgar o modo de vida nipônico. O site da comunidade oferece informações sobre história, tradições, culinária, informações sobre intercâmbio com o Japão. Longe de ser um veículo oficial, é mais um dos inúmeros pontos de referência na web para quem saber mais sobre o país das cerejeiras. O endereço do site é http://www.nippobrasilia.com.br/.

Fotos: Divulgação evento
Gráfico: fonte IBGE

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