terça-feira, 24 de setembro de 2013

Entrevista: Gerson TC, locutor de rodeios




Gerson Pereira, ou Gerson TC quando declama versos no melhor estilo country, é locutor de rodeios desde 1994, quando fez sua estreia na cidade mineira de Pirajuba. Um dos primeiros a narrar rodeios internacionais no Brasil (Divinópolis/MG), já percorreu o país afora com sua poderosa voz, emocionando público e peões. Quando garoto, em Santa Fé do Sul (SP), não gostava de rodeios, mas ia a contragosto empurrado pelo pai, este sim, amante de festas de peão. Trabalhou em grandes eventos, como Barretos, e já dividiu a arena com grandes profissionais do rodeio como Piracicabano, Almir Cambra, Rafael Vilela, Gleidson Rodrigues e o maior narrador do Brasil, Asa Branca. TC iniciou a carreira de comunicador no rádio e, hoje, divide o tempo entre rodeios e um estúdio próprio de produção de áudio, instalado na cidade de Frutal (MG), em que são produzidas vinhetas, spots e narração para diversos eventos e veículos. O próximo projeto é de levar o seu programa de rádio, Arena 97, veiculado na rádio 97 FM, a diversas cidades de Minas Gerais, Paraná, Goiás e São Paulo. Em um papo aberto e franco, Gerson TC fala da carreira, do ídolo Asa Branca e até de Marias Breteiras.

Alternativa: O rodeio é um negócio lucrativo?
Gerson TC: É lucrativo sim. Só que você tem que saber quais os eventos que você transita. Eventos bem planejados e bem executados, com uma dinâmica operacional e profissional, com agressividade naquilo que está sendo feito, com conteúdo atrai público, atrai investidores e automaticamente atrai também profissionais de calibre. Então é lucrativo sim, é rentável. Isso melhorou muito no Brasil. Nós temos hoje, em média, 1.800 rodeios, a maior parte deles concentrada no Sudeste, com predominância no estado de São Paulo.

Alt: Você levou o rodeio para o rádio na região do Pontal do Triângulo. Como é conciliar as duas atividades?
TC: Dá para conciliar. É mais trabalhoso, te toma mais o tempo. Mas tudo na vida é assim. E a ideia de levar o rodeio para o rádio, que foi o Arena 97, eu já tinha feito antes na Rádio 102 FM, quando fiz o Rádio Cowboy, que era um programa aos sábados. Ele durava duas horas e abordava o rodeio e tocava country music. Eu toquei o Rádio Cowboy por uns quatro anos na 102 FM, de 1996 a 2000. E volto agora com o rodeio no rádio pela 97 FM, com o Arena 97, abordando o Business Rodeo dentro e fora das arenas e tocando country music, que é a música américa rural, o sertenejão americano. E o rodeio veio de lá. Então lá só se toca hard country, country music, folk e rock’n roll. E isso tem tudo a ver com rodeio. Como o formato do nosso rodeio está bem na cara dos Estados Unidos, a ideia de tocar o country music é de tocar uma música que você não escuta no boteco, na rua, no baile funk. É uma música que você não encontra em qualquer lugar, não consegue baixar em qualquer buscador. O meu compromisso é esse: fazer a diferença.

Alt: Qual o rodeio menos expressivo que você já atuou?
TC: Não tem rodeios menos expressivos. Não se deve menosprezar os eventos ou considera-los por tamanho, por dimensão ou por posicionamento na Federação, ou seja, no estado. Tem narrador de rodeio que não vai a eventos pequenos, de mil pessoas, 2 mil ou 5 mil pessoas. Para mim não existem rodeios menos expressivos. Claro que, tecnicamente, têm rodeios inferiores. Aí si, você sente que isso influencia no teu trabalho.

Alt: Aonde você tem vontade de trabalhar e ainda não teve oportunidade?
TC: A oportunidade não te dão, você cria oportunidades. Já me perguntaram, por exemplo, por que eu não eu narro rodeio nos Estados Unidos. É porque eu não fui para lá e não moro lá, mas a “pegada” lá é diferente também, não tem narrador, tem um “anunciador de informações”, o announcer, que é o cara que informa, que dita as informações técnicas: o currículo do touro, do cowboy e por aí vai. Mas acho que seria divertido se nós, brasileiros, conseguíssemos introduzir nos EUA o ritmo explosivo e alegre de tocar o rodeio igual é aqui. Apesar de que aqui a emoção caiu muito com o formato americano, que veio de lá para cá melhorando a dinâmica, o formato profissional, mas que perdendo em emoção.

Alt: Em quem você se inspira para narrar rodeios?
TC: Eu admiro a simplicidade que tinha o Zé do Prato. Ele se virava sem nenhuma tecnologia. Ele não tinha nada de recurso tecnológico na mão dele, tanto que começou a narrar rodeios com um microfone de cabo, ligado em uma corneta. E as músicas que ele colocava, usava um toca-fitas a tiracolo. Ele falava e colocava o microfone no autofalante daquele pequeno equipamento. E por último admiro a ousadia, a autenticidade, a criatividade, o atrevimento e a imprevisibilidade em pessoa, além de todo o carisma que tinha: o Asa Branca.

Alt: Como foi trabalhar com ele?
TC: O Asa é um referência. Como narrador de rodeio, locutor e animador. Ele era esses três, conseguia ser os três em um. Foi o único “campeãozaço” nisso aí. Trabalhar com ele era divertido, mas ao mesmo tempo você tinha que ficar ligado. Eu cansei de falar para a arquibancada (a gente chamava de ferragem)... O Asa ia embora... No auge dele, na década de 90, principalmente entre os anos de 94 e 98. Ele estava no ápice da carreira (televisão, novela). O público ia para ver o Asa Branca e aproveitava para ver o rodeio. Era essa a realidade. As pessoas iam embora quando o Asa saia da arena. Tinha rodeio que você tinha que parar de falar porque ele estava descendo de helicóptero e parava tudo. A cena era dele. Mas isso para mim valeu muito como experiência profissional, porque aprendi muito do ritmo, da dinâmica, da levada, da postura de arena.

Alt: Qual a sua opinião sobre a atual situação dele?
TC: Não vou comentar aqui a questão pessoal dele, do que ele escolheu para ser alegre para ser feliz, para viver a vida intensamente como ele viveu. Todo mundo sabe que ele teve algumas barreiras, algumas pedras pelo caminho que acabaram tirando a saúde dele, tirando o motor dele. Hoje, inclusive, ele tem dificuldades de saúde. Oro por ele, é um cara que me fez aprender muito. Devido à questão de ser soropositivo e ficar debilitado, ele ainda teve a infelicidade de pegar o vírus do pombo. De cada 1 milhão de pessoas, uma corre esse risco e ele caiu nesse índice. Mas ele é tão forte que qualquer outro teria “atravessado o quebra-molas de costas com a mão cruzada no peito”. Ele não. A previsão é de que ficasse de cama ou andaria só de cadeira de rodas. Ele já está andando, tanto que esteve em Barretos esse ano. Ele não vai voltar mais a narrar rodeio, não vai voltar a ter aquele motor que tinha, mas é um cara de resistência. Isso é coisa de Deus mesmo.

Alt: Falando de grandes narradores, existe muita competição entre os profissionais dessa área?
TC: Na verdade não. O profissional confia no que faz e respeita o que o outro é capaz de fazer. Os que competem, querendo usar de artimanhas anti-profissionais não progridem, não evoluem, não vão para frente e têm carreiras curtas. A questão é você respeitar as pessoas que trabalham no meio e sempre procurar aprender, buscar informação e se cercar das companhias que trabalham bem.

Alt: Qual a ocasião mais emocionante que você passou na arena?
TC: Muitas. Já vi muita gente chorar depois de fazer a abertura, depois de ouvir a queima de fogos, por causa de acidentes em touro ou cavalo. Mais em touro, porque os riscos são maiores. Mas o que marcou mesmo foi no rodeio dos Campeões, em Frutal, no último ano que eu fiz, em 98. De presente de aniversário já que, coincidentemente, era naquele período, 16 de setembro. Tinha um helicóptero alugado para o Asa Branca para as quatro noites do rodeio. O organizador do evento, o Sr. Homero Alves, da Loja Maçônica Comendador Gomes, falou: ‘Essa noite você desce de helicóptero na arena’. Mas ele não falou isso informando. Falou em atitude. Me chamaram na hora e falaram: ‘Vem aqui, vem aqui’... Me marcaram numa Pajero [caminhonete] e fui parar dentro do Marretão [estádio de futebol de Frutal], que é onde estava o helicóptero. E de lá eu saí para a arena. Quando eu desci, minha família estava aqui em Frutal, minha mãe e meus irmãos que nunca tinham me visto trabalhar. E eu não sabia disso. Isso para mim teve uma emoção particular.

Alt: Você falou sobre acidentes. Já foi atacado por algum animal?
TC: Não, mas já passei perto de tomar cabeçada de boi, de tomar pisão de boi e cavalo e de tomar chifrada de boi. Apesar de que o chifre mais perigoso é o chifre fora da arena, do que o de dentro da arena. Mas você se acostuma com o território do touro e também com o posicionamento dos salva-vidas. E por outro lado, quando você não conhece uma boiada de rodeio, o seu dever é perguntar para quem está na correia se tem boi que pega, se tem boi que não pega. Tendo sempre o seu posicionamento correto dentro da arena e estando atento, você diminui os riscos. Mas eles são grandes. Considero que é mais arriscado fora da arena do que dentro da arena, porque você tem muitos riscos em viagens.

Alt: É lenda ou verdade o assédio das "Marias Breteiras"?
TC: Não é lenda, não, como tem no futebol a Maria Chuteira e no motociclismo Maria Capacete. Elas estão lá. O acesso delas é um pouco mais difícil nos rodeios grandes, nos mais organizados, porque tem que ter credenciamento, acesso permitido com pulseira ou cartão nas catracas. Mas se elas não conseguem chegar pela arena ou pelo fundo de brete [local onde o gado fica confinado, com os bastidores do rodeio], dão um jeito de chegar no hotel. Mas isso daí já não é o principal caminho, não. Hoje está todo mundo no mobile, tem Instagram, Whatsapp, Facebook. Acabou o mundo, você fica vizinho do mundo e o mundo é seu vizinho. Te adicionou lá e você sabe o que quer, então vamos para os “finalmente” e tá valendo. Vamos ser felizes.

Alt: Qual o maior campeão do rodeio que já viu competir?
TC: Tem a geração do Vilmar Felipe (esse é o mais clássico de todos no Brasil) e do Adriano Moraes. E tem a geração atual, do Silvano Alves. O maior campeão que já vi competindo e, inclusive, já narrei, foram esses dois primeiros. Já tive o prazer de narrar o tricampeão de Barretos, Vilmar Felipe, e o tricampeão mundial, Adriano Moraes. Eu narrei dias finais do Adriano, em 2000, uma Guaxupé, quando começou a se tornar o maior rodeio de Minas, e outra em Guaíra, no interior de São Paulo. O Vilmar também, por várias vezes. Mas já narrei outros grandes campeões como Fabrício Alves e Rogério Ferreira, da mesma geração. Da geração atual, cowboys como Edmundo Gomes, que é o Iron Cowboy do Brasil, Agnaldo Cardoso e Renato Nunes, que estão nos Estados Unidos, Robson Palermo, que é o tricampeão e Rei de Las Vegas, Paulo Crimber, que nunca foi campeã mundial porque quebrou a vértebra e teve a carreira interrompida. Enfim, tive o prazer de narrar grandes cowboys. Falei aí de touros, mas narrei grandes campeões de cavalo também.

Alt: As entradas dos locutores na arena são cada vez mais impactantes e criativas. Cite alguma vez em que entrou de forma "diferente".
TC: Já entrei à cavalo, em caminhonete, que virou uma ação em que concessionárias e as montadoras compram. E já entrei de helicóptero. Não tem nada mais vibrante do que você descer de uma aeronave em uma arena cheia. Voar é fantástico, você chega já “a milhão”. Helicóptero é a melhor de todas as aberturas.

Alt: Já passou alguma situação constrangedora na arena?
TC: Passar, eu não passei. Mas evitei situações constrangedoras na arena. Uma, no rodeio de Britânia, interior de Goiás. Um peão de cavalo que não se classificou para a final queria tomar o microfone da minha mão a todo custo para falar mal dos organizadores do rodeio, do juiz. Ele ia me provocar um problemão se eu desse o microfone para ele. E eu tive que ser mais firme do que já fui para botar ele para correr. Quando acabou o rodeio, ele veio na entrega de prêmio (era um carro e uma moto para o campeão) na minha direção de novo, pisando duro. Pensei: ‘Pô, o cara de novo, vem me torrar outra vez’. Mas não, ele tinha entrado para pedir desculpa pela atitude dele, disse que tinha exagerado. Microfone é uma arma que pode te colocar no céu ou inferno.  Sempre tomei esse cuidado.

Alt: Tem alguma dica para quem quer se aventurar na locução de rodeio?
TC: O cara que quer ser praieiro tem que estar em cima da prancha. O cara que quer ser boiadeiro tem que estar em cima do boi. E o cara que quer ser locutor de rodeio tem que estar no fundo de brete, nos hotéis onde se hospedam os cowboys, tem que estar nas chácaras, sítios ou fazendas onde os caras treinam antes de ir para o rodeio. E dentro do rodeio em si, o locutor de rodeio tem que estar no estúdio da cabine de som, acompanhando o cara da iluminação, mas essencialmente, tem que estar da porteira para trás. Ali que é o escritório dele, ante de entrar na arena. São nesses meios que o rodeio começa para terminar dentro da arena. Você tem que acompanhar, saber e se informar. Hoje está bem mais simples isso, porque o cara que quer ser locutor de rodeios consegue muito mais informações hoje, instantaneamente, do que conseguíamos antes, como quando eu comecei há 19 anos. Você quer saber quem são os locutores puxa no Youtube, Instagram, Whatsapp, Facebook e, instantaneamente, você tem dezenas, centenas de locutores na sua mão para assistir e escolher em qual deles você quer se espelhar. Mas a vida real, além da virtual, essa é a essencial, essa é importante. Você tem que ir para o meio. Cai para dentro, vá saber onde está o reino de botas, chapéu e espora e se envolva, busque informações corretas, elimine suas dúvidas com os profissionais de verdade para que você tenha acesso ao meio e, automaticamente, ascensão quando for buscar por isso.

Fotos: Arquivo pessoal

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