sábado, 24 de abril de 2010

Sport Ação

O Sport Ação foi um jornal experimental produzido no ano passado. Algumas matérias já foram postadas aqui no Alternativa. Abaixo está a publicação na íntegra.







sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sobrancelhas


Ronaldo Pedroso
Inspirada na música homônima da banda Biquini Cavadão

Ela era linda. Cabelos pretos e lisos, pele branca como a neve. Só que nessa história não tem sete anões; somente eu mesmo. Sempre que passava por mim na escola, me olhava com ar vazio e me cumprimentava com um aceno de sobrancelhas. Nem “oi”, nem “bom dia”, nem “como vai, seu otário?”. Apenas sobrancelhas.
Quando passava, eu a seguia com os olhos, cabeça tronco e membros. Só olhos seria muito pouco. Esquecia-me de tudo, perdia a noção do tempo, perdia as palavras que buscava para dizer qualquer coisa, nem que fosse um olá. Se bem que, palavras me desculpem, o silêncio é fundamental.
Gostava mesmo quando ELA quebrava o silêncio. Lógico que não era comigo. Às vezes, me escondia na curva do corredor para ouvi-la conversando com suas amigas. Parecia um rouxinol cantando. É bem verdade que nunca ouvi um rouxinol cantar, mas como os poetas dizem que é lindo, assim era a voz dela. Nesses momentos, dois rios me cortavam: um Amazonas de emoções e um Nilo de sudorese.
Eca! Esse capítulo é nojento. Eu suava muito! Especialmente quando ela estava perto. Depois de borrar meus cadernos, sujar meus livros e passar vergonha na sala de aula tendo de explicar para a professora como havia chovido na estação seca aprendi a carregar um lenço. No fim do dia ele estava encharcado.
No alto da minha maturidade de quatorze anos, eu me perguntava o que ela achava de mim. Por me cumprimentar, significava que era educada ou que sentia algo mais? O que seria aquele aceno com as sobrancelhas? Poderia ser alô ou adeus. Poderia ser “como tem passado?”. Para mim era “estou com saudades”. Mas o meu silêncio permanecia.
Aquelas sobrancelhas me perseguiam. Onde quer que eu estivesse, lá estavam elas. As carregava nos livros, nos discos, nas roupas, na cama, no banho... Sofria calado a dor da minha fraqueza por não saber o que dizer. E uma atitude drástica precisava ser tomada. Eu tinha que expor meus sentimentos. Resolvi escrever uma carta, já que as palavras fugiam da boca. Escrevi e pus dentro de sua mochila em um momento de distração.
Segue a missiva:

“Doce e adorada musa,
Amo-te mais do que o sol ama o calor, do que a lua ama as estrelas, do que o mar ama as ondas. Precisava revelar-te esse sentimento que me toma por completo, que me enfraquece as pernas quando te vejo, que me destrói quando não está por perto.
Apesar de todo o meu amor, não tive coragem de te olhar nos olhos e me declarar. Aliás, lindos olhos protegidos pelas sobrancelhas mais perfeitas que já vi! Enfim, as palavras me somem. Venho, então, usar deste artifício manuscrito para burlar meus temores e dizer que te amo.
Sendo assim me exponho, abro-me a você e ao mundo para quem quiser ver e ouvir minhas declarações, meus sentimentos. Esta é a carta da redenção do AMOR. Da vitória da vida contra o medo.
Despeço-me agora com o calor do peito a saltar para fora, louco de amor e feliz pela confissão do sentimento.
De seu eterno,
X
X
X
X
Admirador secreto.”


Amarelei!