quarta-feira, 2 de julho de 2014

Análise semiótica do filme Laranja Mecânica

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) é uma produção de 1971 de Stanley Kubrick, que adaptou a obra homônima de Anthony Burgess, escrita em 1962. É considerado o primeiro filme punk rock já produzido. O enredo se passa na Inglaterra em uma época futurista e emprega a semiótica e a psicologia para desenvolver as ações e reações do protagonista Alex DeLarge, interpretado por Malcolm McDowell. DeLarge é um sociopata amante da música clássica e do que é chamado no filme de ultraviolência. Ele narra a própria história utili-zando gírias derivadas de outros idiomas, em que aterroriza a sociedade com vandalismo, brigas com outras gangues, estupro e outros crimes.

Em certo momento, Alex é preso e, através de um programa de condicionamento, volta às ruas modificado. Quando pensa ou tenta algum ato violento, o seu organismo reage com crises de pânico, vômito, tontura. Esse condicionamento foi realizado através de sugestões visuais, onde ele assistia a cenas de violência com os olhos mantidos abertos à força e a aplicação de drogas, que o debilitavam. No filme, o controle do comportamento social é feito através de uma técnica chamada Ludovico que, com princípios psicológicos behavioristas de condicionamento, introduz em Alex o mal-estar físico ligado a qualquer comportamento violento.

Esse condicionamento, além da própria psicologia, tem explicações se-mióticas. Essa ciência foi iniciada pelo filósofo e linguista suíço Ferdinand de Saussure, a partir de seus estudos sobre a linguística. De acordo com ele, a linguística seria apenas uma parte da semiótica, até então não considerada ciência. Charles SandersPeirce, cientista, lógico, filósofo e matemático norte-americano, também estudou a semiótica como o estudo dos signos.

Neste contexto, as ações e reações do personagem de Laranja Mecâni-ca são um emaranhado de significados incutidos em sua psique. Alex vincula o seu sofrimento físico a atos de violência introduzidos através de vídeos que ele assistiu exaustivamente. Esse tipo de condicionamento relaciona um efeito (seu mal-estar) a uma causa (violência) e seu comportamento é moldado de acordo com os propósitos de terceiros. Do ponto de vista da semiótica, uma cena de violência presenciada pelo pós-condicionado DeLarge, significa sofri-mento, resultando em reações físicas incontroláveis, como dores e náuseas.

Em um dos trechos do filme, Alex cruza com um homem que ficou para-lítico e teve a esposa estuprada e morta ao serem agredidos por ele. O homem o reconhece somente quando ele está na banheira e canta Singin' in theRain, a mesma música que DeLarge cantou quando o estava agredindo. Para o cadeirante, a música tem um significado muito particular, de acordo com sua experiência de vida; neste caso, relacionada a uma violência sofrida. É como Saussure define a semiótica: “a ciência que estuda o signo dentro do contexto social no qual está inserido”. Para ele, “signo é a união de significante e significado. É qualquer coisa que signifique alguma coisa para alguém. Em princípio tudo é signo. Entidade que pode tornar-se sensível para um grupo determinado de pessoas que o utilizam” (TEMER, NERY, 2009).  Para Alex, a música também tem significado oposto em situações diferentes: seu compositor favorito, Ludwig van Beethoven, é fonte de prazer aliada à violência, mas depois do condicionamento psicológico, passa a significar seu próprio mal-estar.

Depois de passar por todos os percalços, o protagonista volta ao seu es-tado original através de uma cirurgia no cérebro e visões que considera maravilhosas, marcadas pela ultraviolência. Neste estado psicológico, a violência significa prazer; durante o condicionamento, a menor referência a violência significava sofrimento. A semiótica explica a mudança dos significados a partir das experiências pessoais. O mesmo signo pode ter significados diferentes, dependendo das vivências de cada um. Na história futurista, existem dois DeLarge, o que implica em dois significados diferentes para o mesmo signo, a violência. O primeiro significado de violência, para o sociopata, é um deleite, um prazer incomensurável; o segundo, para o Alex reabilitado, a violência significa sofrimento pessoal, não somente para as vítimas. A semiótica, portanto, explica a relação de Alex com diversos signos em fases distintas do filme.

Referências

COELHO, José Teixeira: Semiótica, informação e comunicação. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.

NÖTH, W.: Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablu-me, 1995.

QUEIROZ, A. J. M.: Sobre as 10 Classes de Signos de C.S.Peirce. Tese de Mestrado, inédita. PUC, 1997.

SANTAELLA, L.: A teoria geral dos signos: Como as linguagens significam as coisas. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 2000.

TEMER, A. C. R. P.; NERY, V.C.A.: Para entender as teorias da comunicação. 2.ed. Uberlândia: EDUFU, 2009. 206 p.

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